quinta-feira, 29 de agosto de 2013

AUTÔMATO

Por Jonatas Rubens Tavares

Entrevista de emprego em um futuro não tão distante:

-Pelo que vejo em seu Currículo, o senhor preenche todos os requisitos necessários para ocupar o cargo. A sua porta USB...?

O candidato abaixou a gola da blusa, deixando à mostra, no lado esquerdo do pescoço, a entrada USB, que, na altura da jugular, se projetava para fora da carne.

-Ótimo - O entrevistador sorria amigavelmente - É através dela que baixaremos para o seu HD o programa com todas as instruções necessárias para que possa desempenhar devidamente as funções do cargo. Será instalado também o Freio, que bloqueia o funcionário em casos de ações não condizentes com a função ou com as normas estabelecidas pela empresa. O seu Sistema Operacional, está, imagino, atualizado?

-Sim senhor, tudo certinho.

-Magnífico. Dirija-se ao RH que, concluída a parte documental, lhe encaminharão á TI. 

Parabéns, e seja bem-vindo à equipe.

-Obrigado senhor.

ABERRAÇÃO

Por Guiomar

Eu a conheço!
Portal ornado que seduz a entrar.
Passagem para lugar nenhum.
Descaminho de porta invertida.
Fonte de água límpida, que não sacia.
Farto banquete de delícias plenas.
Virtual, anormal.
Surdez crônica para o Amor.
Sedutor lugar de repouso vazio.
Ausência do Bom e do Bem.
Inalcançável Arvore da Vida.
Realidade invertida.
Visão cega no espelho da desimagem.

ENQUADRAMENTO

Por Rita de Cássia Alves

A ferrugem entra pelos poros e cria o ser metálico.
Desentope as artérias do verde e dos dedos salta a hera.
Era de falanges que apodrecem, mas aparecem máquinas.
Misto de musgo e fuligem, corpos se debatem e são triturados.
Para onde vamos nós, os enlatados, criaturas quadradas, cifradas, 
ameaçadas pela engrenagem?
Estamos à mercê no mecânico dos dias.
Desviamos a rota e o arroto dos canos de escape nos engolem.
Há mais fios desencapados do que a memória suporta:
não cantamos, urramos!
Permitimos que o óleo fique corrosivo e mate a pele-sentimento, 
este animal dentro da gente.


DUAS FACES

Por Rafaela S

Seus olhos te entregam. Não negue!
A carranca que tinha por todo esse tempo se foi.
E me mostrou o que de mais podre conheci até hoje.
Não consigo sequer olhá-lo, 
Uma mera presença sua em meu pensamento
E sinto minhas vísceras na garganta.
Duas caras, miserável!
Não imagina o quanto é grande a minha vontade
De te ver inundado no seu próprio sangue. 
Sangue que quero tirar de suas veias, 
e senti-lo escorrer pelas minhas mãos.
E assim, olhar pra ti com a alegria
E ter a certeza de que não fará isso com mais ninguém.

SEM TÍTULO

Por Tabita M.

Uma melosa noite escura. 
Sento-me na cama. 
Pequenos estalos no ouvido me fazem lembrar que continuo insone.
Abraço meus joelhos, 
acendo a luz do abajur 
por um tempo contemplo a quietude da alma. 
E então, com o balanço da minha respiração, 
encontro um pequeno ponto de paz, 
um minúsculo equilíbrio 
e permito-me delirar.

ONDE FOI PARAR O JARDINEIRO?

Por Jonatas Rubens Tavares

O jardim, que sempre fora muito bem cuidado, agora estava em lamentável estado de abandono. O dono da propriedade recusava-se a procurar os serviços de outro que não fosse o seu bom e velho jardineiro.

-Onde foi parar o jardineiro?

Fazia já algum tempo que o funcionário havia simplesmente desaparecido. A polícia iniciou uma investigação. Mas nada: Nem mesmo a família foi capaz de oferecer pistas que levassem a algum lugar.

-Onde foi parar o jardineiro?

Foi o chofer quem primeiro teorizou: “A recém-falecida esposa do amigo jardineiro vinha quase sempre quando o sol estava prestes a se pôr, sentava naquele banco próximo ao balanço e ficava esperando pelo término do horário de trabalho do marido. E em todos os dias, sem exceção, ele colhia uma flor e entregava à esposa. Talvez o homem não tenha suportado as recordações.”

-Onde foi parar o jardineiro?

Não conseguiram descobrir, mas ao menos souberam porquê (por quem) ele havia desaparecido.



CENÁRIO ÍNTIMO

Por Rita de Cássia Alves

Há um quadro latente nos meus olhos.
Sorrateiro, brinca com a Íris de uma retina cansada.
Descansa por entre bancos no jardim do agora.
Ler no paraíso das cores é se apoderar de todas as molduras.
Inventar um reduto em que o corpo viaje nas letras, move o impulso 
de quem se julga encantado.
Não há quem dele se aproprie sem inventar um outro pincel.




A MALDADE

Por J. Paulo

Ninguém se recorda de quando a maldade chegou. Na verdade a maioria nem mesmo se deu conta que ela foi se depositando em todos os lugares. Nas ruas, nas paredes dos prédios, adentrando pelas casas. Como uma poeira que toma conta de tudo, até do ar que respiramos.

Naquele final de dia a vendedora estava se sentindo muito feliz. Suas metas já tinham sido batidas, a patroa tinha lhe feito um elogio e tudo o mais lhe sorrira. Ela até separara um pequeno presente para levar para o filho, que nesta hora já estava com o avô. Moravam os três num pequeno apartamento ajustados e ajustando-se com o que a vida tinha lhes dado. 

A jovem se atrasara um pouco para sair, por isto decidira tomar um ônibus numa avenida cerca de três quadras mais distante. E se ainda cortasse o caminho por uma ruazinha transversal, chegaria em tempo de pegar uma condução que a deixaria bem perto de seu prédio, recuperando então o tempo.

A maldade pode tomar muitas formas e jeitos. Pode vir de modo claro e 
violento; mas também pode ser sutil, suave, quase misteriosa.

Os três rapazes não eram mais do que uma sombra única, naquele terreno baldio, imerso na escuridão. Conversavam baixinho, com os rostos bem perto uns dos outros. 

A maldade não discrimina ninguém: homem ou mulher, velho ou criança. Ela apenas cumpre seu papel aos cuidados de quem a manipula.

A mulher que vinha pela rua atraíra o olhar  dos rapazes desde o momento que virara naquela esquina, muito pouco pela graça e beleza de seu caminhar, muito mais pela bolsa que carregava. 
Naquele horário a ruazinha era bem deserta, com casas pouco iluminadas
e voltadas para si. A nossa pergunta será sempre a mesma: por que tanta maldade?

O fato é que o primeiro golpe atingiu violentamente a cabeça, e que os outros tão certeiros não foram nem menores ou menos mortais. A única possível testemunha disse para a polícia que não conseguiu ver nada, pois assim que ouviu os barulhos e gritos saíra correndo, muito amedrontada. Ela passara por ali somente para conseguir alcançar sua 
condução. Também não conhecia nenhuma das três vítimas mostradas a ela por 
fotografia. O policial lhe relatara os possíveis detalhes da luta infrutífera dos três 
rapazes. E a vendedora perguntou: por que tanta maldade, doutor?


UTOPIA

Por Rafaela S.

Acordei, desconheço este lugar.
Sinto-me tonto e tenho a impressão de que estou fora de meu corpo.
Estão me levando. Quem? Não sei. Para onde? Não sei.
 Já não enxergo mais nada. Minha mente gira em alta velocidade.
Quando novamente consigo enxergar, estou no mesmo lugar estranho onde acordei.
Caminhos divergentes, paredes confusas, não há mais ninguém aqui.
Será um sonho? Não sei. Será a morte? Não sei.
Percorro os caminhos onde estou, mas percebo que não saio do lugar. A única coisa que encontro
é um cão falante, se alimentando como gente.
Caio em mim, está demais,  é hora de parar.


quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O ÚLTIMO CAPÍTULO DE CAVERNA DO DRAGÃO

Um dos desenhos animados icônicos dos anos 80 é Caverna do Dragão, a história dos seis amigos que entram num brinquedo de um parque de diversões e vão parar num mundo mágico cheio de perigos conquistou o corações de crianças, adolescentes e adultos de todo o Brasil, quiçá do mundo. Mas Caverna do Dragão deixou um grande vazio, pois a produção do desenho foi cancelada sem que o último episódio fosse ao ar. Esse episódio sequer foi produzido.
Um tempo atrás um suposto roteiro do episódio final vazou na internet, alimentando a esperança dos fãs em ver o tão esperado último capítulo dessa história. O ilustrador Reinaldo Rocha não deu ouvidos para as pessoas que disseram que esse roteiro é falso e resolveu produzir uma revista em quadrinhos contando essa última história dos pupilos do Mestre dos Magos, confira o último episódio de Caverna do Dragão:
caverna do dragao capa O episódio final de Caverna do Dragão
caverna do dragao 01 O episódio final de Caverna do Dragão
caverna do dragao 02 O episódio final de Caverna do Dragão
caverna do dragao 03 O episódio final de Caverna do Dragão
caverna do dragao 04 O episódio final de Caverna do Dragão

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

O CALHORDA

Por Gerson Dalla Corte

Não me ajude, não me ajude! Sei levantar sozinho. A não ser que eu escorregue nessa poça de vômito e sangue. Aí, sim, vou precisar de ajuda.
Pronto, tô de pé. Não, a culpa não foi minha. Eu tava aqui, bebendo tranquilamente minha pinga, quando me escorregou a garrafa na cabeça dele. Escorregou só isso. Embora ele tenha merecido.
Mas no fim, o que aconteceu? Por culpa dele um caco entrou no meu dedo, olha só. Daí todo este sangue esparramado. A cabeça dele, partida em duas, não foi nada. O sangue é todo do meu dedo, ó! E o pior, minha pinga se foi pelo chão. Aquele cão ali no canto que bebeu tudo.
Não me ajude, já falei! Vai me contaminar com a sua sujeira. Já não bastam minhas roupas vomitadas...sabe que sou muito suscetível, qualquer gotinha de sangue e passo mal, tonturas, sabe como é. Que bêbado que nada! Vomitei pela minha sensibilidade excessiva.
Essa carteira? Pois então, como ele deu uma cabeçada na minha garrafa e furou meu dedo, exigi reparação de danos. Foi na verdade uma doação que ele me fez, olha só a cara dele, de bruços, arrependido, como se estivesse morto. Arrependa-se de seus pecados!
Não, não preciso de ambulância. E deixe a polícia fora disso! Fique tranquilo, bem tranquilo, que tudo vai ficar bem. Só preciso de uma pinga pra me acalmar. Só uma pinga, só uma pinga...



O ADEUS

Por Jonatas Rubens Tavares

Deu adeus porque partindo iria crescer
Deu adeus porque assim iria se esconder

Deu adeus porque perto o sofrimento era grande
Deu adeus porque a felicidade estava longe

Deu adeus porque não conseguia mais viver
Deu adeus porque ali o passado estava a corroer

Deu adeus porque não queria mais ficar
Deu adeus porque quanto mais cedo partisse, mais cedo iria retornar.



PAI E FILHA

Por Gerson Dalla Corte

Você mentiu pra mim. Disse que voltaria. E te esperei. Anos a fio.  Foram anos, foram vidas.
Promessas não se quebram. Você não voltou, então vim te encontrar.
A velhice talvez já não seja tão ruim. Estamos mais pertos de quem já foi. Vim te encontrar, mas não sei o que me espera. Talvez o nada, ou outra vida. Quem sabe a mesma, novamente, com pequenas variações?
Penso que a morte talvez venha para poupar-nos de algo pior. A morte como um começo, ou um meio. Esta vida, para mim,  foi onírica. Ora um sonho, ora um pesadelo. Espero que a morte seja o amanhecer da minha vida.
Vou acorder, enfim.



LADRÃO DE SONHOS

Por Rafaela S

Estou possuída pelo diabo,
O ódio percorre minhas veias no ritmo acelerado do meu coração.
Porque? Parecia algo legal, afinal, ele era legal.
Vagabundo! Tomou de mim meus sonhos, minhas fantasias.
Um dia, eu ainda irei reencontrá-lo,
Farei ele sentir tudo o que eu senti quando me deixou.

COMPANHEIRO DE AVENTURAS

Por Jonatas Rubens Tavares

Pai e filho sempre davam longos passeios. Quando o pai adoeceu, os passeios cessaram. O filho, ainda menino, ficou sem o seu companheiro de aventuras, sem o seu herói. Naturalmente, o garoto sentiu falta do seu genitor. A mãe, então, entregou-lhe a carta deixada pelo falecido:

“Filho, 
O meu tempo por aqui se encerrou. Esta é  a minha despedida. Espero que entenda que não é da minha vontade partir, mas tenho que ir, porque é assim que funciona a vida. Fui sozinho para o passeio definitivo.
Deixei esta carta para te dizer o que só  vai compreender quando for mais velho, por isso guarde-a para que possa lê-la mais tarde.
Meu filho, você, sozinho, irá trilhar caminhos novos, longe das rotas por nós percorridas e chegará infinitamente mais longe do que seu velho pai foi capaz. Irá realizar o percurso sozinho até que consiga um pequeno para acompanhá-lo. Mas lembre-se sempre que, embora não possa me ver, estarei sempre ao seu lado, junto, a cada passo, porque no fim o caminho é um só e o destino é o mesmo.
Te amo, filho querido. Recorde com carinho e nostalgia as nossas tardes, as nossas caminhadas, que foram únicas. Obrigado por ser o MEU companheiro de aventuras. Nunca a jornada foi tão divertida e recompensadora quanto foi ao seu lado.

                                                                                                                          Papai.”

Agora, crescido, o não tão menino relê  a carta e guarda-a, com todo o cuidado, dentro de um pequeno baú. E parte para a caminhada vespertina com o SEU companheiro de aventuras.



ANÁFORA

Por Gerson Dalla Corte

Dormi.
Acordei de madrugada
ao me virar.

Não dormi.
Cochilei.
Ao acordar, já era tarde
pra dormir.

Zumbi.
Acordei no meio da tarde
ao levantar-me
da cadeira.

Acordado
fui pra casa
pra dormir.

Mas acordei de madrugada.
Zumbi ao me virar.
Percebi no meio da tarde
que já era muito tarde
pra mudar.

INATINGÍVEL

Por Jonatas Rubens Tavares

Agora que estou meio morto
Imerso em profundo torpor
É doído perceber
Que não me dói mais a dor

Um tapa, um soco
Toda a maledicência
O escudo me protege de tudo
Do mal não tenho ciência

O convívio em sociedade
Não deve envolver sentimentos
Quem vai contra isso
Lança cuspe contra o vento

Nada poderá me perverter
Onde estou sou inatingível, inalcançável
Tão só e aprisionado
Quanto quem paga crime inafiançável



terça-feira, 6 de agosto de 2013

MUNDO INSANO

Por Rafaela S.

Sinto-me preso.
Preso em mim mesmo.
Preso pelo mundo.

Já não sigo meus próprios desejos.
Sigo no compasso regido pelo todo.
Sigo no caminho gasto dos outros.

Sinto-me sufocado.
Sufocado pela rotina e monotonia.
Já não reajo naturalmente.

Mundo quadrado,
Mundo padronizado,
Mundo desconhecido.


CINCO PALAVRAS ABOMINÁVEIS

Por Gerson Dalla Corte

- Fiz uma coisa abominável.
- Você? Estou pasmo!
- Fiz, confesso. Foi inenarrávelMais precisamente, foi escatológico.
- Não creio! E o que foi que você fez de tão terrível?
- Você nunca poderia imaginar. Foi aterrador.
- Fala logo! Cometeu um crime? Matou alguém?
- Não. Comi a empada.


TARDE DEMAIS

Por Rafaela S.

É tarde da noite, não consigo dormir.
Perco-me em minhas lembranças.
Sinto uma suave lágrima percorrer minha face.

Ah! Que saudade...
Como pode confortar-me mesmo não estando ao meu lado?
Fecho os olhos e inexplicavelmente sinto o calor de seu abraço.

Daria tudo para te ver apenas mais uma vez.
Se eu pudesse voltar no tempo...
Te diria tudo, tudo que está espremido em meu coração.

Nunca te disse, mas te amei.
Ainda te amo e sempre te amarei.
Momentos vividos invadem minha consciência.

Como era bom, como me fazia bem.
Será que você pode me ouvir, seja lá  onde está?
Não sei...

Ah! Que saudade...
Saudade de seu afago antes de dormir.
Saudade das histórias, saudade de você.
Sinto muito.


LUGAR ALGUM

Por Gerson Dalla Corte


Eram seres
de sons estranhos,
de vidas tortas,
lugar algum.

Parecia,
mas não era um sonho.
Era o delírio
do cão bebum.


segunda-feira, 5 de agosto de 2013

MEU LUGAR NO MUNDO

Por Jênifer Aline Secco

Um porto seguro
O lar, doce lar
O abrigo durante a guerra
Um sentimento maduro
O jeito certo de amar
Minha felicidade na Terra
Seu abraço
Meu espaço
Você


DEPOIS DAS SETE

Por Walter M. Ziebarth

Fechem as cortinas!
Aqui jaz a última nota
daquela orquestra desumana
que se desvia da rota
E assim a noite acaba
sem som, sem tom, sem nada
E amanhã, nessa mesma hora,
eu chego, sento, sofro e vou embora.